quinta-feira, abril 26, 2018

Escrito no Muro

Tinharé Sunset (Brasil) - tirada pela filhota Sandra V.

Procura a maravilha.

Onde a luz coalha
e cessa o exílio.



Nos ombros, no dorso,
nos flancos suados.



Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.



Ou a sombra espessa.

Na laranja aberta
à língua do vento.



No brilho redondo
e jovem dos joelhos.



Na noite inclinada
de melancolia.



Procura.

Procura a maravilha.


de, Eugénio de Andrade

in, Obscuro Domínio 



terça-feira, abril 17, 2018

O teu aniversário

Hoje é o dia do teu aniversário. 

Sempre será assim lembrado este dia, tal como nesta fotografia.

Tenho ainda presente a lista dos pedidos que me fizeste no ultimo que passámos juntos. 

Sabias que eu ia refilar com tudo o que pedias à excepção do cd do Carlos Paredes.

Foi a única coisa que, de boa vontade, te ofereci. 

Tudo o resto sabias que eu não concordava e que te fazia mal. 


Tal como fumares ou comeres o que pediste. 


Mas fiz-te a vontade.


Pudera. Depois de tanto me azucrinares o juízo acabei por condescender.


E ficaste feliz a fumar o cigarro proibido, de copo na mão, ouvindo a guitarra de Carlos Paredes.


Não sei se pressentias o fim. Não sei se a tua lista foi o derradeiro pedido antes do final.


Fui apanhada de surpresa. O choque foi brutal.


Durante estes anos tenho-me armado em forte mas ainda não consegui superar.  Às vezes dá-me a sensação de ouvir as rodas da cadeira e volto-me. E deixo-me ficar quieta alheia a tudo o resto.


Hoje é o dia do teu aniversário.


Como há quatro anos. Uma quinta-feira, lembras-te?

Três dias depois, deixaste-nos. Era Domingo. Domingo de Páscoa.

Não te digo até já. Nem até breve.

Sabes que amo a vida. Sempre soubeste. Tenho ainda por quem querer viver.  Os filhos. O neto. Vê-lo crescer é um bálsamo, uma força indescritível, onde me agarro quando o desanimo toma conta de mim.

Confesso que não foram fáceis os catorze anos que estiveste doente. Mas agarrei-me a tanta esperança. Lutei tanto por ti. Que agora a tua ausência é muito mais penosa do que foi a tua doença.

Por vezes nem acredito que já passaram quatro anos desde a tua partida.

Foi no Domingo de Páscoa.

Hoje era o teu aniversário. 

  
Quero assim recordar-nos.  Felizes.

Tenho memórias floridas 
do encanto dos teus olhos 
nos meus.

Tenho memórias floridas 
das tuas mãos no meu ventre
pela manhã.

Tenho memória das memórias
que o tempo faz permanecer
como rosa das areias no deserto

Tenho memórias de ti,
de mim, de nós.



quarta-feira, abril 11, 2018

Os Pássaros Brancos



Quem me dera que fôssemos, amor, 

pássaros brancos sobre a espuma do mar!
Cansarmo-nos da chama do meteoro 
antes de ele fugir e se extinguir;
E a chama da estrela azul do crepúsculo, 
suspensa sobre a orla do céu,
Despertou nos nossos corações, amor, 
uma tristeza que não pode morrer.

Humedecido de orvalho chega o desengano
daqueles que sonharam o lírio e a rosa;
Oh, não sonhes com eles, amor, 
a chama do meteoro que passa,
Ou a chama da estrela azul que se detém suspensa 
na queda do orvalho,
Pois que bom que era que fossemos pássaros brancos 
sobre a espuma errante: eu e tu!

Estou assombrado por inúmeras ilhas 
e muitas praias de Danann
Onde o tempo certamente nos esqueceria 
e a Tristeza não mais se aproximaria de nós;
Em breve estaríamos longe da rosa e do lírio 
e seríamos consumidos pelas chamas,
Se ao menos fôssemos pássaros brancos, amor, 
flutuando na espuma do mar!

William Butler Yeats
in, Poemas de Amor
a págs. 62/63


quarta-feira, abril 04, 2018

POEMA PARA A PRIMAVERA


Fotografia  pessoal


As estrelas chegaram com a noite
de mansinho.
 O coração ficou sonhando
com a beleza de cada pôr-do-sol 
que existe na vida, 
mesmo em dias tristes, 
quando a alma chorando 
se quer feliz.

A noite adormeceu na esperança
que o dia se faça amor
e com ele toda a tristeza
desapareça no raiar do sol 
em cada amanhecer.



FELIZ PRIMAVERA! 

domingo, abril 01, 2018

A uma cerejeira em flor



Acordar, ser na manhã de Abril
a brancura desta cerejeira;
arder das folhas à raiz,
dar versos ou florir desta maneira.

Abrir os braços, acolher nos ramos
o vento, a luz, ou o quer que seja;
sentir o tempo, fibra a fibra,
a tecer o coração de uma cereja


Eugénio de Andrade in, "As mãos e os frutos"